Latim Vulgar x Latim Clássico
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Latim Vulgar x Latim Clássico: As Duas Faces da Língua que Deu Origem ao Português
A história da língua portuguesa não pode ser compreendida sem conhecer o papel fundamental do latim. Contudo, é importante destacar que não existia apenas um latim: havia distinções entre o chamado latim clássico, língua culta da literatura e da elite romana, e o latim vulgar, usado no dia a dia pelo povo. Essa divisão foi decisiva para a formação das línguas românicas, entre elas o português.
1. O contexto histórico do latim
O latim nasceu no Lácio, região da atual Itália onde se situava Roma. A partir do século VIII a.C., começou a se expandir, primeiro localmente e, depois, com o crescimento de Roma, por toda a Península Itálica.
Durante a fase republicana (séculos V–I a.C.) e o início do Império Romano (século I d.C.), o latim atingiu seu auge literário, consolidando o que chamamos de latim clássico, usado por escritores como Cícero, Virgílio e Ovídio.
Paralelamente, o latim vulgar circulava nas ruas, mercados, tavernas e entre os soldados. Era a língua viva e popular, falada por camponeses, comerciantes, escravos e legionários.
2. Diferença social e geográfica
A distinção entre clássico e vulgar não era apenas linguística, mas também social e geográfica:
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O latim clássico era restrito a uma minoria letrada, principalmente em Roma e nos centros administrativos do Império.
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O latim vulgar estava em toda parte, falado pelos colonos e soldados que levavam a língua para regiões distantes da Península Ibérica, Gália, África do Norte e até Ásia Menor.
Essa expansão fez com que o latim vulgar sofresse variações regionais, o que contribuiu para o surgimento das línguas românicas após a queda do Império.
3. Latim clássico: a língua da norma
O latim clássico era caracterizado por:
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Estrutura gramatical rigorosa.
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Uso abundante de casos (nominativo, acusativo, genitivo etc.).
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Vocabulário mais sofisticado e erudito.
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Estilo retórico e literário.
Por isso, foi preservado em textos oficiais, obras de filosofia, direito, retórica e poesia. É o latim que se estuda hoje como “língua morta” em escolas e universidades.
4. Latim vulgar: a língua viva
O latim vulgar tinha características muito diferentes:
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Simplicidade na pronúncia.
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Redução do uso de casos, compensada por maior uso de preposições.
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Mudanças fonéticas (como perda de certas consoantes e simplificação de ditongos).
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Vocabulário mais próximo da realidade popular, com termos cotidianos.
Foi essa forma oral, popular e flexível do latim que deu origem ao português, ao espanhol, ao francês, ao italiano e demais línguas românicas.
5. Comparações entre latim clássico e vulgar
A seguir, uma tabela com alguns exemplos que mostram diferenças importantes:
| Aspecto | Latim Clássico | Latim Vulgar | Evolução no Português |
|---|---|---|---|
| Uso dos casos | lupus (nominativo, “o lobo”), lupum (acusativo, “o lobo”) | Forma única, sem distinção de casos | lobo |
| Vocabulário | equus (“cavalo”) | caballus (“cavalo de carga”) | cavalo |
| Fonética | auris (“orelha”) | oricla → oricula | orelha |
| Simplicidade verbal | dixit (“ele disse”) | dicet / dixet (forma simplificada e popular) | disse |
| Ortografia culta | domus (“casa”) | casa (termo mais popular, usado no dia a dia) | casa |
Esses exemplos mostram que o português herdou mais diretamente elementos do latim vulgar, pois era a forma falada pelo povo que se manteve viva após a queda de Roma.
6. O papel das variações regionais
Com a expansão do Império Romano, o latim vulgar sofreu influências de outras línguas locais:
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Na Península Ibérica, conviveu com o celta e o íbero.
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Na Gália, recebeu influência céltica e germânica.
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No norte da África, dialogou com línguas berberes.
Essas misturas deram origem a variantes regionais do latim vulgar, que, mais tarde, se transformaram nas diferentes línguas românicas.
7. A importância dessa distinção para o português
Saber que o português tem raízes no latim vulgar ajuda a compreender por que nossa língua é, ao mesmo tempo, tão próxima e tão diferente do latim clássico estudado nos manuais.
Enquanto o latim clássico permanece como uma língua fixa, congelada em textos, o latim vulgar foi dinâmico, evolutivo e, justamente por isso, sobreviveu como base das línguas modernas.
8. Curiosidades
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Muitas palavras eruditas em português ainda vêm do latim clássico (ex.: equino, de equus), enquanto o uso popular preferiu a forma vulgar (cavalo, de caballus).
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O latim vulgar é, na verdade, uma reconstrução: não temos registros escritos extensos, já que o povo escrevia pouco. Ele é deduzido a partir da comparação entre o latim clássico e as línguas românicas.
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O latim vulgar também era chamado de sermo plebeius (“fala do povo”) ou sermo rusticus (“fala do campo”).
Referências para consulta
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BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 38ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
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FARACO, Carlos Emílio. História Sociopolítica da Língua Portuguesa. São Paulo: Parábola, 2016.
-
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontes de História da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ática, 2005.
-
HERMANN, Eduardo. Latim: História e Estrutura. São Paulo: Contexto, 2011.
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CRYSTAL, David. The Cambridge Encyclopedia of Language. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
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BATTISTI, Elisa. “Latim vulgar e formação das línguas românicas”. In: Revista de Estudos Linguísticos, v. 12, n. 2, 2018.
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